A gente
aprende na nossa oficina de palhaço que o nariz, a nossa máscara, é a máscara
que menos esconde e a que mais revela. Ao contrário de várias outras máscaras
teatrais, que escondem a expressão da artista, o nariz não esconde nada. E eu
sempre acreditei nisso durante toda a minha experiência de pouco mais de um ano
como palhaço, mas a atuação deste dia me mostrou algo muito diferente, não sei
se acredito tanto nesse mote de palhaço e da palhaçoterapia.
Neste dia, eu
já estava um pouco frustrado porque não poderia atuar com meu figurino porque
estava sujo e não tive tempo de lavar. Tive que usar uma roupa improvisada. Depois
de chegar no hospital, vestir o figurino improvisado e preparar a maquiagem,
percebemos que havíamos deixado o nariz em casa. Éramos só eu e Lívia, porque
as outras meninas estavam doentes. E surgiu o dilema: o que fazer? Como atuar
sem nariz? Naquele instante de dúvida, tomamos uma decisão. Vamos atuar sim! Pintamos
o nariz de vermelho com um pozinho (não sei o nome dos componentes da
maquiagem, rs) e continuamos o ritual como de costume. Subir energia, encontrar
o olhar da melhor companheira, ganhar os corredores do hospital. E todo o
começo foi muito estranho, muitas perguntas e dúvidas correram pela minha
cabeça “Será que vão me reconhecer como palhaço?”, “Será que vou conseguir ser
palhaço?”, “Como vou enfrentar isso?”. E foi quando eu percebi que a nossa máscara,
o nosso nariz, é uma proteção, é um escudo. Eu me escondia no meu nariz também,
o nariz é confortável, o nariz tem a memória de várias outras atuações
passadas. Sem o nariz, eu tive medo de perder minha identidade como palhaço.
A energia foi
subindo devagarzinho. Os primeiros jogos foram difíceis, um pouco travados, mas
a gente continuou. De encontro em encontro, a gente foi se apropriando no nosso
espaço, foi sendo cada vez mais clown e fazendo jogos cada vez melhores. Bartolomeu
e Jasmin foram nomeados padrinho e madrinha de uma boneca, e pra tomar conta
direitinho da afilhada, Bartolomeu a pegou nos braços e se pôs a ensiná-la a
pedir a benção para todas as tias e tios do quarto. Três meninas deste quarto
nos acompanharam a atuação inteira, e elas foram fundamentais pra manter nossa
energia lá em cima.
Nesta atuação,
entramos no quarto do Saci-Pererê, onde só podia entrar e ficar lá numa perna
só, e a dona do quarto, uma menininha que estava no colo da mãe, demonstrou
toda sua autoridade e não deixou a gente pôr os dois pés no chão, apesar dos
nossos pedidos. Bartolomeu pediu Jasmin em casamento e amarrou a gravata no
dedo de Jasmin como anel de compromisso. Conhecemos várias pessoas legais e
tivemos ótimos encontros pelos vários corredores.
E nisso tudo
veio reconhecimento: nos olhares das pessoas, nas repetidas vezes que as
crianças nos chamavam de palhaço. Vi que não é o nariz que nos faz palhaço, não
é o figurino que nos faz palhaço. É o nosso olhar que nos faz palhaço. É a
nossa energia, a nossa disposição que nos faz palhaço. O mais importante carregamos
dentro da gente o tempo inteiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário