quinta-feira, 27 de março de 2014

Pinik Dôrada - 1º Atuação na Maternidade de Juazeiro - 26/03/2014


Olá diário, 

Sei que há muito não te escrevo, mas achava que precisava de um tempo pra criar coragem. 
Hoje percebi que não, o que me faltava era inquietação. Não que as atuações anteriores não tenham me afetado, claro que não. Mas hoje algo me provocou tanto, que não consigo fazer mais nada a não ser pensar no que aconteceu nessa última atuação. 
O convite era conhecido: precisavam de nós para atuarmos na maternidade de Juazeiro! Lugar
desconhecido por nossos clowns, mas familiar no contexto. 
Lá fomos nós!! Eu, Júlia, Karol, Artur, Tathy e Raquel, com nossos narizes à postos, e Lorena e Gled com seus crachás da imprensa. Um tanto de energia tirada daqui e dalí, logo encontramos nossos parceiros pessoais e companheiros de atuação vibrando por mais olhares. 
Tudo caminhando muitíssimo bem! Juju, Josefina e Pinika, encontramos mães e acompanhantes completamente abertos ao encontro, permitindo e trocando com toda a espontaneidade que surgia. 

Até que chegamos ao quarto que motivou este diário tão apressado. 
Diferente dos anteriores, este quarto tinha mães desacompanhadas dos seus bebês. Ingenuamente, ou talvez "imaturamente", perguntamos onde estavam as crianças. Sabe aquele momento em que parece tudo ficar em câmera lenta, e você se vê cometendo um grande erro no exato momento da ação, querendo rebobinar a fita, mas sem superpoderes pra isso?? Pois é, já estava feito. A resposta mais óbvia veio nos esbofetear a cara: "o bebê dela (se referindo a uma mulher que estava dormindo) está na incubadora, o meu morreu!" 
O nó veio imediatamente parar na garganta e o silêncio tomou conta do espaço. Comentei sobre as faixas que envolviam os seios dela, na tentativa de fazer uma alusão sobre o coração que estava nesse momento muito ferido. Não acho que tenha entendido, pois todos ainda estávamos tomados pelo choque e minha voz pareceu não alcançá-la. Temi em continuar usando a fala, pelo risco enorme de feri-la ainda mais e com o olhar, pedi permissão para tocar seus pés. Acariciei-os e uma lágrima rolou no seu rosto. 
Imediatamente a acompanhante a repreendeu, pois tratando-se de uma recém cirurgiada, não poderia chorar. O nó da garganta cresceu mais um pouco, me despedi com os olhos e nos voltamos para a mãe ao lado que estava com o seu bebê. Falamos algumas bobagens, na tentativa de derreter aquele gelo, mas qualquer referência que fazíamos ao bebê, me rasgava a alma pela ausência do outro. 
Ao sairmos da sala, rapidamente pegamos fôlego e retomamos ao ritmo normal. Tudo já tinha ficado para trás... 
O dia foi indiscutivelmente belo. Deixei o hospital tomada pela energia vibrante que deixamos pelos corredores. 
Fui para casa, tirei um cochilo e aquela mãe veio comigo num sonho. Acordei com a cena do encontro que ainda não tinha sido digerida. E fiquei a me questionar, porque não fiz mais? Porque aquela mulher não podia chora? Os pontos iam se abrir? Mas quem cuidaria do coração? 
Pensei no que poderíamos ter feito, idealizando proporcionar-lhe um momento muito feliz ou uma despedida triunfal. Mas não, lembrei que nosso trabalho não se resume ao riso, que as lágrimas também são bem-vindas, e lembrei também dos nossos limites. 
Naquele momento, qualquer experiência que imaginávamos ter, foi pro saco, e ficamos só com os humanos de narizes vermelhos. Frágeis, impotentes e inertes, diante da morte, diante da dor do outro. 
Meu desejo nesse momento era de dar-lhe apenas o direito de chorar o seu luto, e de colocar calor, no lugar das faixas. Mas fico com o nosso encontro, com a presença das minhas companheiras naquele quarto, com a pergunta estúpida, com seus pés e uma ou duas lágrimas que conseguiram escapar. 

"Eu me despeço 

 Eu em pedaços 
 Como um silêncio ao contrário..."
 Adriana Calcanhotto

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