A sala do núcleo temático, a qual passamos os vários dias de
formação/gestação, pra mim sempre foi um o útero materno. Com o fim da oficina,
eu tive a sensação de que já havia nascido, quando me vestiram pela primeira
vez, quando desenharam o meu novo rosto com tintas e lápis de pintar, quando ganhei
um nome todo meu e fui batizado com ele, pronto, pra mim o nascimento já havia
se concretizado. Mas esqueci de uma coisa importante, das primeiras palmadas
que a gente leva quando ainda nem sabe o que ta fazendo no mundo... O “dotô” segura
a gente e de cabeça pra baixo e dá uns
tapinhas no bumbum, são umas palmadas de realidade querendo dizer: “Ei, acorda,
hora de enfrentar o mundo!” Hoje nasci,
senti o frio da sala de cirurgia, coloquei o pé na rua. Me atrevi, dei a cara a
tapa, e receber aquelas palmadas de realidade foi inevitável...
Vesti a roupa de Esperança logo cedo quando meus
companheiros nem aviam chegado, fui sentar no corredor pra desenhar Esperança
na cara, ele tem traços que são só dele. Achei que seria mais difícil, já havia
sonhado com a maquiagem e tinha sido um desastre, hoje foi tranquilo, quando vi
Esperança já estava a postos, quase pronto pra abraçar.
Na sala pequena apertada e enérgica, subimos nossos
narizes, a rua nos esperava, o mundo
estava lá, nas esquinas, nos carros, nas janelas, meu Deus, tinha chegado a
hora, a hora de dizer sim, a hora de pular no vazio.
A rua me acolheu de um jeito diferente, me senti em casa, até
porque a casa do clowm é o mundo, ele pode tudo, e ali era a minha casa; as
ruas de Juazeiro nunca estiveram tão lindas, uma colorição só, as janelas
tinham mais vidas naquela manha, as buzinas eram melodias, não queriam que nós
andássemos mais depressa, não estavam apressadas, pelo contrário, pareciam nos
chamar pra dentro dos carros, os sorrisos eram sinceros e os olhos eram
cansados, olhos de quem tinha um longo dia de trabalho pela frente, uns haviam
acordado cedo pra trabalhar, já a gente estava ali pra brincar, era
diversão, já dizia Lorena Chaves, “Todos
são crianças, sem medo e sem lembrança...”
O camelódromo ficou pequeno pra tanto nariz vermelho, faltou-me
espaço, era tanta gente querendo abraçar, era tanta gente querendo distribuir amor
que as vezes me vi perdido, sem saber pra onde correr, sem saber que jogo usar pra
caber tanto companheiro, mas fui jogando, fui dizendo sim do jeito que pude.
Em meio as atuações, me encontrei muito fácil nos jogos de
Santiago Suado e Pietra Fofolete, a energia deles estava
batendo muito e o desenrolar das histórias aconteciam muito fácil. Tentei
conhecer os jogos dos meus outros companheiros, e saber como as coisas andavam
em meio ao camelódromo, tinha um medo danado de ficar sozinho, é que é sempre
bom ocupar nossos espaços vazios e vocês bem sabem.
Tive a sorte de ter apenas um encontro
ruim, onde a energia das pessoas era pesada, e de gratuito eles só tinham
grosseria, tentei dá o troco com um abraço mas mesmo assim não funcionou muito,
continuei minha caminhada, e dei de ombros.
Descobri que Esperança é um pouco baiano, e
um pouco namorador, chora por nada, faz charminho e inventa uma desculpa
fácil pra sair de fininho, sorrio, arrochou, fez de tudo um pouco, levou muitos
olhares, mas poucos encontros, isso mesmo poucos encontros, porque em meio a
tanta novidade, não conseguiu ter molejo pra segurar os jogos o suficiente para
encher a jarra, encontrou muita gente, e ao mesmo tempo não encontrou ninguém.
Mas é
uma coisa de cada vez, antes do encontro existe sempre um olhar, e olhares
ele encontrou, muitos, de todos os
tipos, não teve tempo pra ficar, mas sei que deixou o melhor que pôde.
Gledson espera ter pintado de verde o dia de
cada um que tocou com abraço ou com meu olhar de Esperança, e Esperança por sua
vez, vai dormir mais tranquilo hoje, com o sentimento de que o dever foi
cumprido como pôde.
A sensação
de que a estrada apenas começou está aqui comigo, e pra o núcleo do dia,
escolhi “Andajá” (aquele brinquedo de criança, que ela usa quando tá começando
a dar os primeiros passos...)
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