sábado, 15 de março de 2014

Lisbela Duracel, 13 de março de 2014


"Tempo, tempo, tempo, tempo"
ou
"Mas tinha que respirar"
ou
À boniteza dos laços... 



E começa assim:



E hoje vou pedir para demorar um pouco mais...

Às vezes a gente tem dificuldade de enxergar as coisas. Foi por muito pouco dessa vez, mas confesso, tive ajuda, tive cuidados.

Esse momento foi bem amadurecido como o melhor momento para, no entanto, não menos sofrido.

Em um dos dias do processo de seleção me pediram para contar minha história e é impressionante como a minha e a da Unidade de Palhaçada Intensiva andam juntas, se confundem em muitos momentos. Tem sido assim. Estou na UPI há três anos, dos quais há dois sigo no sentido de garantir que o projeto exista, com qualidade, fiel a seus objetivos.

Assumi esse compromisso por amor, com o mesmo amor que vejo nos olhos de vocês quando os ouço falando do projeto, que vejo nas fotografias. O amor de acreditar, de aplicar o que aprendemos para além das fronteiras do projeto, para além desse grupo.

Porém, nem sempre foram flores ou rosas, como a do Pequeno Príncipe. E as dificuldades aparecem e tem o poder de checar nossa segurança, nossa firmeza enquanto grupo, nosso vínculo. Por isso, é essencial nos fortalecermos. É bonito seguir em frente, reconhecer um novo caminho, novas possibilidades. E é muito bonito quando todos vão juntos.



Bom, e durante esse tempo tenho aprendido muitas “coisas” bonitas com cada um de vocês, com a UPI:

- Aprendido que a felicidade é quase um exercício, diário, assim como o cuidado, a atenção, a paciência. São escolhas.

- No projeto me permiti trabalhar em grupo, dividir tarefas. E isso era mega difícil. Assim como compartilhar a responsabilidade dos acontecimentos, até mesmo daqueles que não estavam sob meu controle. Era mega difícil diminuir o peso de todas as responsabilidades que assumia. E tenho aprendido a ser mais prudente.

- Tenho aprendido a cultivar meus/minhas companheiros(as), a exercitar minha melhor dança, a ser mais sutil, a não julgar tão rápido e a primeiro escutar. E é um caminho.

- Tenho aprendido a perdoar. A entender o momento das pessoas, a entender o porquê de determinadas ações/comportamentos e me apaixonar por elas mesmo assim, do jeito delas.

- Tenho aprendido a usar a verdade como um norte, como meu nariz vermelho que aponta e eu sigo, sem grandes questionamentos. E felizmente estabeleci que minhas relações se dessem da mesma forma. Porém, ainda não tenho facilidade em lidar com aqueles que não levam à prática o que dizem na teoria. Porém, de novo, estou aprendendo que tais pessoas não devem influenciar meu comportamento, a forma como devo agir. E esse processo foi muito longo, por vezes, muito doloroso.

E quero compartilhar algumas coisas com vocês, que parecem meio óbvias, mas demorei para enxerga-las:

“Quem não reconhece seus erros está condenado a repeti-los”

Eu não sou perfeita.

Tenho perebas, marca de vacina e das quedas, já tive lombriga, coceira, piolho, unha encardida, dente com comida, casca de ferida, medo de cair, de não dar certo, de ser “reprovada”, medo de ficar sozinha, já tive uma “relação afetiva/carinhosa/divertida/etc”, mas que não era namorado, tenho alguns problemas na família.

E quem não tem?

E quem é perfeito?

Às vezes a gente julga o “erro” do outro a partir das expectativas que criamos sobre a pessoa. E isso, às vezes, é muito cruel, principalmente quando o pedido de desculpas que precisamos escutar é para reconstrução da imagem de um herói, quando estamos o tempo todo rodeado de seres humanos.

Sabe a parte que ainda me emociona muito na oficina de iniciação? Quando é contada a história do clown. Quando é mencionado o simbolismo do palhaço no circo, o que ele representa. Que aquele “ridículo, tolo” no meio da arena representa simplesmente o humano, com toda boniteza que isso significa, com toda boniteza que isso implica. Com todas as ações que permitem ainda encontrar encanto, compaixão e solidariedade naquele bobo com um nariz vermelho. E que o nariz vermelho é “a máscara que menos esconde e que mais revela”.


“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”

Eu ficava me perguntando o tamanho da responsabilidade disso. Até que ponto “cativar” não se tornaria um peso? Uma escravidão?

Mas, olha que bonito:

“[...] Que quer dizer cativar? É algo quase sempre esquecido – disse a raposa.
Significa criar LAÇOS [...]”
“Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro.
Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo.”

Há reciprocidade aqui. Só é cativado aquele que se deixa cativar e só cativa quem também esta aberto para tal. É como no hospital quando encontramos um ambiente em que as pessoas não estão abertas ao encontro e respeitamos. E sabemos quanta troca pode acontecer no hospital. O quanto saímos de lá com a jarra cheia. E os novinhos logo viverão isso, tá?

E olha só que boniteza:

“Meu Deus! Como é engraçado. Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço. Uma fita dando voltas. Enrosca-se, mas não embola. Vira, revira, circula e pronto, esta dado o laço.
Ah, então é assim o amor, a amizade. Tudo que é sentimento: como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho, mas não pode se desfazer a qualquer hora, deixando livre as duas pontas do laço.
Por isso é que se diz: LAÇO AFETIVO, LAÇO DE AMIZADE. 
E quando alguém briga então se diz: romperam-se os laços. 
ENTÃO O AMOR, A AMIZADE SÃO ISSO:
NÃO PRENDEM, NÃO ESCRAVIZAM, NÃO APERTAM, NÃO SUFOCAM. 
POR QUE QUANDO VIRA NÓ, JÁ DEIXOU DE SER LAÇO.”

E prometo dizer mais algumas “coisas”, mas prometo que serei breve.

Medicina é um curso difícil. De um modo geral, os cursos de saúde são. Entramos na universidade cheios de planos, de esperanças e vamos nos acomodando/desestimulando ao longo do curso. Porém, é preciso nos aproximarmos de pessoas, de projetos que nos mantenham em sintonia com o que queremos, para continuarmos querendo muito e fazendo da melhor maneira possível.

Escutei uma vez um amigo que é muito próximo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra falando de como tinha sido a formação dele na universidade. Contou que uma vez o pessoal chamou a atenção dele, para que ele estudasse, se dedicasse, para ser um bom médico. Eles já tinham, como movimento, muitos militantes para seguir nas caminhadas e precisavam de profissionais que militassem para cuidar daquele povo.

Entendem o que quero dizer?

Precisamos/a comunidade precisa que sejamos bons médicos, psicólogos, enfermeiros, farmacêuticos, médicos(as) veterinários(as), atenciosos com a equipe de saúde, sensíveis às necessidades dos pacientes. Que sejamos honestos, sinceros nas relações que estabelecermos.



Confio na UPI como uma possibilidade de ajudar nesse processo. Não conto mais nos dedos das mãos quantas vezes vocês levantaram meu jogo. E não me refiro aos jogos no hospital, mas os jogos para a vida.

Os novinhos cumpriram um papel importantíssimo durante o processo de formação. De, com suas emoções, vontade, disponibilidade, fortalecer o restante do grupo em relação ao caminho, a alimentar nossa esperança no resultado daquilo que produzimos no tempo presente.

É bom que também chame a atenção para a delícia que é conviver com pessoas que estão em cursos diferentes. E sei o quanto é importante, para além da convivência, compreender o que é saúde e que andamos juntos. Que temos, nesse sentido, o mesmo objetivo e merecemos, enquanto profissionais, o mesmo reconhecimento. E por si só, já somos o medicamento de muitos que precisam.


“A gente sofre menos quando compreende e aceita que os filhos que a gente tem e cria não são nossos e sim da vida.”

Depois do meu aniversário, na ida para Salvador, com a bolsa repleta de cartinhas e segurando meu pedaço de bolo, fiquei pensando em que momento cativei cada um de vocês. Em que momento fiz algo que tivesse de alguma forma encantado o grupo. E senti uma paz enorme, uma sensação deliciosa de missão cumprida. Isso em relação ao próprio futuro da UPI. Vocês se apaixonaram tanto pelo projeto que, com certeza, cuidarão para que tudo continue bem.

Hoje eu saio da UPI. Eu hoje vim para dar tchau.

Já havia sinalizado algumas vezes a necessidade que sinto de me dedicar a outras atividades. E como disse Luiz Antônio, o Gabriela: “A vida é tão curta e a gente fica se dando em pedaços. Eu só consigo estar inteiro, o tempo todo, com quem estiver comigo e, estar inteiro é se dar inteiro”. E durante toda a minha trajetória na UPI “me dei inteira” e o projeto é muito bonito para que eu fique “me dando em pedaços” daqui pra frente. Entendem?

Desejo que o caminho de vocês seja doce e agradeço a oportunidade de aprender com vocês todos esses anos. Agradeço porque o olhar de vocês “melhora, melhora o meu”...



Da Ana Vitória e da Lisbela




(Diário de bordo lido na reunião de grupo da UPI no dia 13 de março de 2014)

4 comentários:

  1. Ana Carolina Murta Ramalho15 de março de 2014 às 22:50

    Que lindo, consegui senti variadas emoções lendo o seu diário Vit's... E lembre-se sempre "tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas" e vc me cativou...

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