Esta atuação
começou devagarzinho, com o capitão Bartolomeu Barbudo e a papagaia Cassandra
Paçoca tentando domar esse navio tão complicado que é o Navio Dom Malan.
Deixamos nossos tesouros no cofre da Sala das Bolsas, com uma guardiã muito
segura do seu trabalho, e começamos a andar pelo hospital.
Desta vez, não
demos preferência a nenhum setor. Estávamos exploradores, inquietos,
desbravadores. Fomos convidados primeiro para visitar o setor das mulheres que
haviam acabado de ter filhos, e os cabelos cacheados de Bartolomeu fizeram
sucesso! Mostrou como usa esses cachinhos tão lindos para paquerar, como fica
brincando com os cachos tão sutilmente.
Fomos também
para o setor onde as mulheres ainda estavam grávidas, e conhecemos como elas
decidem o nome que vão dar às suas crianças.
Em seguida,
passamos pela pediatria, onde tivemos o encontro mais sensacional, mais
incrível, mais supimpa, mais bacanudo, mais emocionante da tarde. Uma menina
sensacional, com cerca de 12 anos de idade, que estava internada e tinha
dificuldades para falar e só conseguia nos enxergar quando seus pais levantavam
suas pálpebras. Que menina pra vibrar de energia! Que menina com tanta alegria
dentro dela, com tanta emoção e carinho! Nos apresentamos, conversamos bastante
e ela nos pediu para dar um apelido a ela. Cassandra, muito esperta, fez 3
perguntas muito boas pra ajudar nessa tarefa: qual princesa você mais gosta? Cinderela.
Qual fruta você mais gosta? Melancia. O que você quer ser quando crescer? Professora.
E assim chegamos ao apelido: Prof Cid Lancia. E foi ela, essa menina
sensacional, a Prof Cid Lancia que encheu meu coração de carinho. Ela nos pediu
o nosso telefone, e a vontade foi tão grande de manter contato com ela, que
sim, demos o nosso telefone para falar com ela em outro momento.
Em 2 anos
de palhaçoterapia, mesmo com pacientes que encontramos mais de uma vez porque
sua internação foi longa, nunca aconteceu de estabelecer um vínculo dessa
forma. Achei bem marcante esse momento. Espero que eu receba o contato e que
ela possa ver o estudante de saúde que existe por trás do nariz vermelho, o
estudante de saúde que se importa com as pessoas que encontra no hospital.
Ainda na
nossa andança hospital adentro, conhecemos finalmente um setor pelo qual só
víamos a janela fumê por fora, um setor que sempre foi uma incógnita nas nossas
atuações, que nem sabíamos o que tinha lá. Era o setor que resolvia as
internações, e lá conhecemos pessoas muito agradáveis. Vimos que existe vida e
alegria para além da janela escura, e foi muito divertido olhar as pessoas pelo
outro lado da janela.
Por fim,
acabamos em um jogo tenso. A Sala das Bolsas, onde guardamos nossos tesouros,
nossas chaves, nossas coisas, fechou mais cedo e bateu aquele nervoso: como
vamos voltar pra casa? Será que vamos ter que dar plantão de palhaço a noite
inteira no Dom Malan e partir para as nossas terras, nossas casas só no dia
seguinte? Mistério, dúvida, inquietação. Foram vários minutos de ansiedade, sem
saber se iríamos conseguir recuperar nossas coisas. E isso tudo no meio da
atuação, sem poder deixar a energia cair, sem poder perder a postura palhaçal, rindo
das nossas próprias desventuras. Contamos com a ajuda de profissionais
excelentes do hospital, que depois de algum tempo conseguiram pegar nossos
objetos, mas para mim esse nem foi o maior desafio do final da atuação.
O maior
desafio foi o encontro com um homem que queria discutir política com um
palhaço. Que queria se impor sobre o palhaço. Normalmente, isso não me
incomodaria, porque eu acho que na vida de palhaço é bom a gente colocar a
outra pessoa sempre pra cima, empoderar o paciente, o acompanhante, e fazer do
ofício do palhaço uma escada para isso, um caminho para isso. Só que esse homem
teve um discurso que achei forte, que achei ofensivo. Seu discurso era que
todas as pessoas eram corruptas, que todo mundo tinha seu preço, que ninguém
era honesto, e quem permanecia honesto ou era porque não tinham oferecido seu
preço ainda ou ia pra debaixo da terra. Sim, exatamente, fez até questão de
gesticular esse último ponto. Tentei argumentar na paz enquanto pude, e manter
cordialidade, mas teve momento que senti que eu iria começar a puxar pontos
mais sérios e não era algo que eu estava disposto a fazer como palhaço. Senti vontade
de ignorar essa pessoa. Mas senti também que estava sendo provocado, senti
também que aquela pessoa queria irritar o palhaço, queria fazer o palhaço
perder a pose, e eu percebi esse desafio e não ia dar esse gostinho não. Mantive
o bom humor o tempo inteiro e não cedi às provocações, e eventualmente a única
solução foi ignorar e mudar o foco da cena pra outras pessoas. Com a ajuda da
minha melhor companheira, isso deu certo e fiquei muito feliz com o desenrolar
da cena.
Pegamos nossas
coisas, saímos e fim.
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