quinta-feira, 10 de abril de 2014

Mariqueta Boabunda - HumanizaSUS - 7 e 8 de Abril

                Meu diário de bordo,
você não faz ideia de quantas vezes já comecei e apaguei esse relato. Isso acontece  porque o HumanizaSUS vem ocupando minha semana, me proporcionando diversos momentos de reflexão e atuação que me enchem de pensamentos sobre minha própria vida. Venho de dias difíceis, com problemas que vão e voltam feito um balanço abandonado em movimento por uma criança que brincava por ali - mas se foi. Me pergunto como conseguirei humanizar algo quando, por vezes, me sinto muito pouco atingida com a humanidade alheia, ou ainda quando me sinto tão bagunçada por dentro que mal sei cuidar de mim. Às vezes, é extremamente difícil existir e carregar uma história, carregar sentimentos, carregar o peso de viver com tantas coisas que queríamos que fosse diferente. E eu queria fugir. Fugir de minha vida, fugir de mim.
                Em meio a tantas coisas sufocantes, Mariqueta me surge como um suspiro - breve, porém revigorante. Ela me apareceu três vezes em dois dias. Coitada! Mal sabe o que faz no mundo e, tal qual à vista de um abismo, se joga. A cada atuação, sinto Mariqueta mais Eu - e Eu mais Mariqueta; sinto-a mais madura, mais dona de suas ações, mais consciente do que faz, ainda que pense pouquíssimo em seus atos. Em grande parte, percebo, porque os monitores a fornecem um apoio imenso (e me dão ensinamentos que vão muito além do breve momento clown). Percebo o quão melhor me sinto agora que provei um pouquinho mais das maravilhas do nariz vermelho. Até mesmo acordar 6 da manhã para arrumar as roupas coloridas de Mariqueta, sua sapatilha vermelha de bolinhas brancas, seu cinto florido e os 10 grampos para prendê-lo à cabeça... Ela mal me deixa dormir de tanta ansiedade.
                Foi com esse turbilhão de sentimentos que entrei na Semana de Humanização do SUS. Gostaria de pedir a paciência de todos que forem ler, mas condensei três atuações em um só post por se tratar de um único momento, portanto...

07 de abril de 2014, segunda feira, praça da Misericórdia, Juazeiro-Ba.
                O convite de participar do evento me veio (claro) de Artur, o amado Zeca Aventureiro. Tinha ficado sabendo no dia anterior que iria atuar e (claro) quase não dormi de ansiedade. Além disso, (claro) liguei e tentei chamar todas as pessoas que achava que estavam aqui e insisti para que fossem. Fiz isso todos os dias e todas as horas que pude (claro), porque atuar com muitos lindos é bom demais, e Mariqueta estava morta de saudade de alguns deles.
                Ao chegar ao local, às 7 da manhã,  arrumamos a exposição e partimos para vestir nossos clowns e (finalmente!) subir o nariz. Depois de tanto tempo, fervia de animação... mal sabia eu que era Mariqueta que não se aguentava mais dentro de mim. Em companhia de Pedrinho Palito, Rosinha dos Retalho, Frufruta Doce e Zefinha Laranjeira, Mariqueta Boabunda saiu para as ruas espalhando seu melhor olhar. Foi lá que aprendeu a desfilar com uma linda professora de modelos; a dirigir uma carroça, com um senhor de olhos azuis feito o mar; virou bola para que o famoso jogador Denilson pudesse marcar um gol; ficou desconfiada com muitos fotógrafos que a perseguiam (será que agora era famosa!?); conheceu uma modelo que tinha uma perna com metade do tamanho da outra e, por isso, usava aparelhos que faziam dela, também, uma super-heroína (!); e, por fim, aquilo que mais a marcou: encontrou um rapaz de muletas que dizia ser ex-presidiário, ex-residente da cracolândia, acusado de homicídio e que havia sido atingido por 6 tiros na perna (porém encontrou jesus e agora está tudo ok).

Mariqueta, Zefinha, Frufruta, Rosinha e Pedrinho
                Abraços. Muitos abraços. Abraços apertados, outros mais frouxos, outros mais tímidos, alguns espevitados - contudo, todos vinham de muito bom grado, ainda que alguns tenham exigido um pouco de persistência. E que delícia foi aquilo! Que remédio para a alma e para as tristezas que me acompanhavam. Mal sabiam aquelas pessoas que, um tanto que de modo egoísta, quem mais estava ganhando ali era eu.
                Pela tarde, apenas tirei fotos e aproveitei o espetáculo que foi observar meus amigos clowns atuando. É realmente impressionante o quanto dá pra aprender dessa forma, e, também, perceber o quanto ainda tenho que amadurecer meu narizinho.  Também é interessante a angústia que se passa nesse momento, porque você quer lançar um jogo, quer brincar... mas ali, infelizmente, era Carla - e não Mariqueta.
Que fita estranha, tira até foto!

08 de abril de 2014, terça feira, Juazeiro-Ba.

Manhã, Maternidade.
                Disseram que choveu a noite toda. Eu estava cansada demais para me dar ao luxo de perceber a chuva ou de acordar por conta de um trovãozinho ou outro. Ao acordar, porém, me dei conta do estrago: além de não podermos expor na praça (porque as fotografias seriam estragadas pela água que eventualmente caísse das árvores), o portão elétrico de minha casa havia parado de funcionar - e as fotos estavam guardadas em meu carro. Depois de muita espera, fomos expor e atuar na Maternidade de Juazeiro. Por conta de todo o ocorrido, mal me dei conta de que seria minha primeira atuação em um hospital. Mal me dei conta de que aquilo mudava muita coisa. Mal me dei conta de que, novamente, não fazia a menor ideia de como agir.
                Me joguei.
                Confiei em meus melhores companheiros do mundo. Subi o nariz em companhia de Esperança Sambacanção, Rosinha das Alturas , Zeca Aventureiro, Carmelita das Buchada e Pedrinho Palito, porém apenas os dois primeiros foram os companheiros de Mariqueta naquele momento. 

Mariqueta, Carmelita, Rosinha, Zeca, Pedrinho e Esperança! Lindões!
                Ao contrário do dia anterior, Mariqueta se sentiu muito estranha naquele local. Ao contrário da praça, ali as pessoas estavam extremamente frágeis e vulneráveis. Também, sentiu muita dificuldade em criar jogos, mas entrou em todos que foram propostos à ela. Falou mais alto do que devia, correu mais do que devia, sentou no chão e lá pôs as mãos - e logo depois se ofereceu para segurar um bebê e a mãe quase deu. Mariqueta teve alguns momentos infelizes, porém teve alguns deliciosos, como quando aprendeu como cortar banana da terra de forma que sua barriga não inchasse por 9 meses. Foi uma médica que a ensinou e, boa cidadã que é, contou para todas as moças inchadas o que fazer para não ficar mais daquela forma: não comer mais banana.
                Ao final, porém, encontrou sua maior dificuldade até agora. Eu, Carla, também. Uma mãe chorava com sua filha no colo. O bebê tinha manchinhas vermelhas na face e estava extremamente quieta. Rosinha deu um abraço na mãe, que parecia muito frágil, sozinha, triste, sem esperança. Por falar nisso, Esperança tentou alegrá-la, dizendo que sua filha seria uma estrela (e por isso tinha tantas estrelinhas em sua face), mas a moça só chorava, e chorava. O que fazer!? Eu não tinha palavras, eu não conseguia reagir. Alguém foi dar-lhe o almoço numa quentinha, e, tendo em vista que estava com a criança doente no colo, ficou sem saber como comeria, confusão essa muito visível em seu triste olhar. Foi aí que Carla, como Mariqueta, se ofereceu para segurar o bebê. Ali, no chão mesmo, eu seguraria o dia todo se preciso fosse. Contudo, os outros clowns apareceram e levaram Mariqueta embora. A verdade é que eu queria descer o nariz naquele mesmo momento e ir ajudar aquela moça. Eu queria dizer-lhe que ela não estava sozinha, que eu a ajudaria; mas era tarde demais. Rosinha, ou melhor, Tathyane, me disse que, ás vezes, o melhor que podemos fazer é nos afastarmos, que algumas vezes não teremos como ajudar. Sei que isso é verdade, mas não consigo tirar essa moça da cabeça. Será que eu poderia ter feito mais? Será que elas estão bem? Será que algum dia saberei lidar com essas situações? Como foi horrível...

Tarde, Praça da Misericórdia.
                Um pouco afetada com a atuação da manhã, levamos a exposição de volta para a praça, uma vez que o sol já estava brilhando. E, novamente, fui me preparar para subir o narizinho vermelho que havia me dado tantas emoções poucas horas antes. Tentei deixar essas experiências negativas de lado e apenas aprender com elas, de forma que Mariqueta ressurgiu muito bem disposta, obrigada, brilhando ao lado de Hércules do Encanto, Magali Malagueta, Rosinha das Alturas, Zefinha Laranjeira e Lupita toin-toin, sendo esta a minha melhor companheira do mundo da tarde. 

Rosinha, Zefinha, Lupita, Magali, Hércules e Mariqueta!
                Mal sabiam essas duas clowns que esse seria o melhor momento de Mariqueta até então. Mal sabiam elas que conheceriam um senhor com DiaNoiteBetes (uma doença que se manifesta tanto de dia quanto de noite), dois senhores que não gostavam de futebol porque eram crentes, que encontrariam um bocado de gente da realeza, que aprenderiam o que é reciclagem nas palavras de um Doutor no assunto (ele mesmo catava o material!), o qual vinha de outro país, "as Arábias", e que as ensinou, ali mesmo, a dirigir um tapete mágico. Acabaram rodando em torno do próprio eixo (em um rodeio) e foram-se.

Voando no tapete mágico - e quem dirá que não!?
                Como me senti bem depois desse momento! Mal conseguia falar sobre outra coisa! Como Lupita é linda! Como ela ajudou Mariqueta! Aquela tarde foi tão incrível que ponho um sorriso na cara sempre que penso em alguém vendo três pessoas sentadas em dois pedaços de papelão no meio do centro fingindo voar em um tapete mágico. Em que mundo isso seria possível se não no mundo clown? Impossível não amar um mundo que me permite tudo, inclusive ser feliz independente das amarras do mundo.

Obrigada, Lupita! sz
                Gostaria, também, de utilizar o espaço para agradecer a todos que fizeram a Semana de Humanização do SUS acontecer e ser tão linda, seja com a preparação ou com a organização nos dias do evento. Obrigada, também, por me darem a oportunidade de participar de algo tão incrível, de fazer algo de bom. Obrigada por me ensinarem tanto, pelas palavras de conselho, pelos estímulos, pelos sorrisos, pelas brincadeira, pela Carla melhor, pela Mariqueta cada vez mais brilhante.

Carla Araújo, melhor conhecida como Mariqueta Boabunda.

2 comentários:

  1. Me emociono em ler os diários das minhas companheiras e companheiros. Linda, lindo demais!

    Um xêro nos zôi!!!

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