terça-feira, 15 de outubro de 2013

Lisbela Duracell, algum dia de Agosto 2013

Nem preciso comentar o quanto este diário esta atrasado. Ele começou na verdade no período de seleção dos novos. Quanto fui invadida por uma esperança imensa, naqueles novos meninos, na medicina, na saúde. Vejo o quanto é necessário ao longo do curso, procurar elementos que nos mantenham no caminho que escolhemos. Pode ser amigos, pessoas queridas, músicas, poesias, lugares, sonhos. Já escutei em várias palestras perguntarem o pq de nós estudantes entrarmos de uma forma na universidade e sairmos de outra, como se ao longo do processo houvesse uma corrupção de valores e ideais. Porém, é muito pesado carregar um peso tão grande. Bom encontrar ou reconhecer no caminho companheiros, que seguem caminhos bem parecidos, e que te oferecem o ombro sem grandes questionamentos e que te erguem nos momentos difíceis de continuar.

Na UPI eles se misturam. São de vários cursos, de várias idades e de vários cantinhos do Brasil. E é uma maravilha promover um espaço em que possam se comunicar, antes de compreenderem na prática profissional o quanto isto é importante. Ficava me questionando como chegar às pessoas que o projeto não consegue comportar e como garantir que as que estão dentro promovam o encantamento da arte do clown. Mas não tem como. Não tenho como garantir isso. Porém, acontece. Porque é bom abraçar as pessoas, sentindo todos os músculos quererem aquilo. É bom beijar, sabendo que aquele é o nosso melhor companheiro do mundo. É uma relação de cuidado que permite dizer adeus por imaginar que aquilo será o melhor para o outro, por mais que doa. Com isso, o projeto chega onde nem todos precisam virar clowns. E os que são, promovem o projeto quando se permitem ser sem a máscara, em espaços além do hospitalar, com todas as pessoas, independente de cor, classe econômica, profissão, sexualidade, condição de saúde.

(uma imagem disponível em algum lugar aí)
Pouco tempo depois lá estavam eles no hospital. Lindões. Eu só precisava, juntamente com os outros da coordenação, agir na organização dos horários, dos grupos nos hospitais, e conversar sobre as primeiras impressões. No “palco”, retornei com uma grande amiga, das antrolas, Miojita e um presente, um menino, o Marmiteiro. O caminho de quem começa é bem tímido, cheio de receios, de inseguranças. Mas o de quem já esta na estrada, só carrega a experiência de saber que é sempre novo e que o “estar em branco” é um dos nossos melhores amigos e que estar disponível é nosso melhor estado. Já conversei tantas vezes sobre isso. Não há cansaço. É bom vê-los começando, acreditando no que estão fazendo, vendo ou sentindo “os resultados”.


Sobre esta atuação, para comentar, teve um ponto que foi sinalizado pelo Marmiteiro e que é interessante compartilhar com o grupo. Tinha um rapaz numa cama, mas sem companheiro de quarto. Estava sendo acompanhado pela mãe, do lado, fiel, uma gracinha. Ele estava com uma cicatriz enorme no rosto, com sangue ainda saindo e com lesões na boca que o impediam de verbalizar muito. Uma queda de moto, de leve. Que coisa, como atuar com um rapaz naquele estado? Como é possível fazer graça? Aonde existe graça? Mas ele nos queria lá e atuamos... como é possível um tatuador fazer um erro daquele tamanho? Como pode um desenho sair torto daquele jeito? A mãe logo entrou no jogo... A graça, a risada, não é o foco, não é o principal. O caminho para chegar lá é que é mais interessante.
 

Por essas e muitas outras, é bem difícil dizer quem “ganha” mais. Por essas e muitas outras guardo a UPI no coração, sem pagar aluguel, sem cobrar pedágio. Pois não funciona como um refúgio onde posso ser o melhor de mim, mas o ambiente em que o que sou, do jeito que sou, com todas as características, histórias, e danças estranhas, são simplesmente naturais, minhas, e me tornam Ana e Lisbela. Onde o amor combina com amizade, com coisas bregas, com prosa, com poesia, com abraços e até com palavras que nos colocam no eixo.  

Um comentário:

  1. Lindas vocês me alegram de agraciar esse encanto que se vive no projeto, na vida que desejamos fazer-se assim: suave! Saudade Gandona!

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