Nem preciso comentar o
quanto este diário esta atrasado. Ele começou na verdade no período de seleção
dos novos. Quanto fui invadida por uma esperança imensa, naqueles novos meninos,
na medicina, na saúde. Vejo o quanto é necessário ao longo do curso, procurar
elementos que nos mantenham no caminho que escolhemos. Pode ser amigos, pessoas
queridas, músicas, poesias, lugares, sonhos. Já escutei em várias palestras
perguntarem o pq de nós estudantes entrarmos de uma forma na universidade e sairmos
de outra, como se ao longo do processo houvesse uma corrupção de valores e
ideais. Porém, é muito pesado carregar um peso tão grande. Bom encontrar ou
reconhecer no caminho companheiros, que seguem caminhos bem parecidos, e que te
oferecem o ombro sem grandes questionamentos e que te erguem nos momentos
difíceis de continuar.
Na UPI eles se misturam. São
de vários cursos, de várias idades e de vários cantinhos do Brasil. E é uma
maravilha promover um espaço em que possam se comunicar, antes de compreenderem
na prática profissional o quanto isto é importante. Ficava me questionando como
chegar às pessoas que o projeto não consegue comportar e como garantir que as
que estão dentro promovam o encantamento da arte do clown. Mas não tem como. Não
tenho como garantir isso. Porém, acontece. Porque é bom abraçar as pessoas,
sentindo todos os músculos quererem aquilo. É bom beijar, sabendo que aquele é
o nosso melhor companheiro do mundo. É uma relação de cuidado que permite dizer
adeus por imaginar que aquilo será o melhor para o outro, por mais que doa. Com
isso, o projeto chega onde nem todos precisam virar clowns. E os que são,
promovem o projeto quando se permitem ser sem a máscara, em espaços além do
hospitalar, com todas as pessoas, independente de cor, classe econômica,
profissão, sexualidade, condição de saúde.
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(uma imagem disponível em algum lugar aí) |
Pouco tempo depois lá
estavam eles no hospital. Lindões. Eu só precisava, juntamente com os outros da
coordenação, agir na organização dos horários, dos grupos nos hospitais, e
conversar sobre as primeiras impressões. No “palco”, retornei com uma grande
amiga, das antrolas, Miojita e um presente, um menino, o Marmiteiro. O caminho
de quem começa é bem tímido, cheio de receios, de inseguranças. Mas o de quem
já esta na estrada, só carrega a experiência de saber que é sempre novo e que o
“estar em branco” é um dos nossos melhores amigos e que estar disponível é
nosso melhor estado. Já conversei tantas vezes sobre isso. Não há cansaço. É
bom vê-los começando, acreditando no que estão fazendo, vendo ou sentindo “os
resultados”.
Sobre esta atuação, para
comentar, teve um ponto que foi sinalizado pelo Marmiteiro e que é interessante
compartilhar com o grupo. Tinha um rapaz numa cama, mas sem companheiro de
quarto. Estava sendo acompanhado pela mãe, do lado, fiel, uma gracinha. Ele
estava com uma cicatriz enorme no rosto, com sangue ainda saindo e com lesões
na boca que o impediam de verbalizar muito. Uma queda de moto, de leve. Que
coisa, como atuar com um rapaz naquele estado? Como é possível fazer graça?
Aonde existe graça? Mas ele nos queria lá e atuamos... como é possível um
tatuador fazer um erro daquele tamanho? Como pode um desenho sair torto daquele
jeito? A mãe logo entrou no jogo... A graça, a risada, não é o foco, não é o
principal. O caminho para chegar lá é que é mais interessante.
Por essas e muitas outras, é
bem difícil dizer quem “ganha” mais. Por essas e muitas outras guardo a UPI no
coração, sem pagar aluguel, sem cobrar pedágio. Pois não funciona como um refúgio
onde posso ser o melhor de mim, mas o ambiente em que o que sou, do jeito que
sou, com todas as características, histórias, e danças estranhas, são
simplesmente naturais, minhas, e me tornam Ana e Lisbela. Onde o amor combina
com amizade, com coisas bregas, com prosa, com poesia, com abraços e até com
palavras que nos colocam no eixo.